Ela liga o notebook crente de que irá ser mais uma jornada incessante de
produtividade, muitos textos para revisar, e-mail para responder, pessoas
aguardando sua resposta para futuros projetos, eventos que talvez a interesse e
alguns novos contatos desejando sua aceitação. Faz questão de colocar tudo em
ordem antes de iniciar novos afazeres, então separa um bom tempo somente para
que ninguém fique sem sua resposta, mesmo que for apenas uma mensagem carinhosa
de um de seus amigos no chat. Feito isso,
abre uma nova página do Word e
deixa-se levar por aquilo que primeiro lhe vier à mente. Normalmente escrever
textos já direcionados não funciona muito bem com ela, pensa que isso pode ser
algum tipo de frequência entre sua veia inspiradora e suas convicções, mas não
tem muita certeza.
Diante da página vazia começam
a serem inseridas as primeiras palavras, sentindo a confusão entre pensamentos,
sentimentos e ideias vagas a envolverem tão profundamente que seus dedos mal
conseguem acompanhar aquele passo frenético em que ela se encontra. Mas sem
medo aquela linha torna-se um parágrafo, que logo se multiplicam e enchem
páginas e páginas inteiras transbordando gotas de sua essência. Não reluta nem
por um segundo em expressar todos aqueles pensamentos, ela sabe que precisa
colocar tudo aquilo pra fora de sua cabeça, mesmo que sem ser específica, sem
citar nomes, sem ser extremamente realista com os fatos. Não se trata apenas de
sua vida, existem tantas outras vidas conectadas em cada fato que ela julga ser
relevante, imaginem quantas vidas podem existir dentro de um único desejo!
Pensamentos desconexos a
deixam um pouco confusa, fecha os olhos fazendo uma certa pressão na tentativa
de que consiga não ser desviada para outros tantos problemas e situações que
invadem seu cérebro. Ela tenta, mas já percebe que sua atenção já foi perdida
para ele novamente. Ele é o culpado por fazê-la se perder naquele instante, e
em tantos outros naquelas últimas semanas. Como não seria? Depois de tantos
anos se deparar com um carinho tão imenso que ainda vive, mesmo que silencioso,
em dois corações que se julgam tão perdidos pelo tempo e feridos por tantas
tentativas fracassadas. Aqueles olhares que sempre denunciaram a vontade
incontrolável da presença um do outro, a saudade por cada toque que há tempos
já não se encostavam mais, e aquela carência mútua pelas vozes um do outro. Sim,
pelas vozes que conseguem acalmar o coração de ambos como nenhuma outra foi
capaz mesmo depois de tantos anos.
Ela abre sua página na rede
social, desliza seu olhar para os contatos online
e lá esta ele, quieto no seu canto, assim como sempre foi, talvez apenas
buscando alguma forma de passar o tempo assim como ela, ou a estaria testando.
Sim! Quanto tempo seria capaz de ignorá-lo ali, não começar uma conversa, não
lhe enviar alguma indireta? Poderia esse tipo de comportamento ser aceito com
tanta facilidade como ser tão incrivelmente paranóico, mas são coisas que
passam na cabeça de qualquer mulher em tais situações, ou ao menos na cabeça
dela.
Tudo bem, ele está ali,
seguro, mas parece que não se encontra com muita vontade de conversar agora.
Ela dá uma boa olhada na foto dele, nos olhos... sorri com um canto da boca,
fecha a foto, sai da página e volta para seu texto. Sente que seu coração se
acalmou, relembra uma conversa qualquer entre os dois há poucos dias, sente
aquela alegria tomar conta por alguns instantes. Decide então parar de pensar
nisso, volta para seu último parágrafo, lê novamente e recomeça a escrever.